Portugal. 1942, noite: o médico dos pobres é assassinado. 1974, madrugada: dois técnicos cortam e ligam cabos de comunicação, um soldado em recruta não pode sair do quartel. 2024, manhã: os utentes aguardam a sua vez, dois viajantes vão em frente de vidros abertos. 2077, tarde: há o eco de um texto, a Dançatriz quer extinguir o medo. Sabe que corpos no espaço em movimento podem realizar-se ou despedaçar-se.

Na celebração dos 50 anos sobre o 25 de Abril, Madrugada: as razões de um movimento convoca episódios históricos (lembrar é lutar) e projecta-se no futuro para pensar a democracia enquanto ensaio que não tem fim. Transporta a liberdade — tão frágil quanto poderosa — entre mãos, inspira fundo e dança em torno da pergunta: como se faz uma revolução, como se estilhaça uma prisão?

Texto, música e cena abrem quatro espaços operáticos distintos. A narração enquanto dispositivo estrutural foi responsável por grande parte da reconfiguração das relações textuais com os restantes sistemas de significação do teatro contemporâneo. Ao privilegiar a dimensão humana dos acontecimentos e uma encenação poética, não-linear e aberta, esperamos pensar a “profundidade da verdade condicional” em relação à “verdade absoluta” do evento histórico (como respondeu Tchaikovski às reservas de Tolstoi acerca do tratamento operático).

A ópera encena um estilhaçar das fronteiras espácio-temporais: das memórias evocadas às heranças que transportamos para o futuro. O que é, hoje, o ímpeto revolucionário do Movimento das Forças Armadas — Democratizar, Descolonizar e Desenvolver —, e como o insuflamos para os próximos cinquenta anos? Que movimentos se podem ampliar?

Para a criação dos tableaux operáticos juntar-se-ão alguns dos mais distintos compositores da mais nova geração de criação operática e vocal: Solange Azevedo, Francisco Fontes, Carlos Lopes, Sara Ross.